Conheça a sinopse do enredo da Mocidade de Santíssimo para o Carnaval 2025

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A escola de samba  Mocidade de Santíssimo, em sua estreia no carnaval carioca, tem a honra de trazer para a avenida a história de Mãe Cacilda de Assis e do Exu Sete da Lira. A escolha do enredo foi feita pelo Presidente Jhonatan Romão em conjunto com a diretoria e tem o objetivo essencial de trabalhar os temas locais de nosso bairro como resgate histórico do bairro de Santíssimo.

GRCES Mocidade de Santíssimo

Carnaval 2025

SEU SETE DA LIRA – A VIDA E A OBRA DE MÃE CACILDA DE ASSIS

APRESENTAÇÃO

O GRCES Mocidade de Santíssimo, em sua estréia na Intendente Magalhães, reafirma com sua comunidade o compromisso de buscar sempre o resgate das histórias de nossa região, vista por muitos como bairro dormitório, mas que carrega em si uma cultura extremamente ampla e importante pra o Rio de Janeiro e todo o Brasil. Desta forma, resgataremos no carnaval de 2025 a história de Mãe Cacilda de Assis e Seu Sete da Lira, elementos que foram fundamentais para a disseminação e validação popular da Umbanda no Rio de Janeiro e em todo o Brasil.

“Sou Exu, trabalho no canto
Quando canto desmancho quebranto
Sete cordas tem minha viola
Vou na gira de lenço e cartola
Viola é tridente, Cigarro é charuto
Bebida é marafo. Sou Sete da Lira
Derrubo o inimigo, Ponteiro de aço”

De Valença surge a bela menina. Cidinha, Cacilda, humilde caipira de origem católica sofre com as inclinações dadas pela mediunidade. Bem nova bebe uma garrafa de cachaça e surpreende a todos ao ficar plena e calma, sem sinal de embriaguês. Depois disso veio o cachimbo improvisado. Era real: algo estava por perto. No aniversário de 7 anos simplesmente desmaia. Um coma de dias se segue. Dos Orôs de uma benzedeira vem o despertar. O aviso foi dado: a cabeça dessa menina precisa de um Congá. No terreiro, ao chegar, já se vai manifestar: “Sou Exu Sete Encruzilhadas. Eu vim pra ficar.”

Foi Tio Moisés quem a iniciou. Com Seu Sete chegaram Filimpo, Tranca Ruas, Tiriri, Vovó Cambinda e o grande amor do chefe: Dona Audara Maria. Tio Moisés segue pro orum, mas a caminhada de Cidinha estava apenas começando. Era seu momento. Buscar o seu lugar na caridade. Em Cascadura ergue seu primeiro Ylê Asè. Rapidamente as coisas mudam e ela segue para Cavalcanti, bem perto. Seu Sete começou a trabalhar cada vez mais e as giras de cura só aumentavam. O Exu que curava através da Musica começava a ser procurado por pessoas de todos os lugares. Com modéstia, Seu Sete sempre falava que “Quem cura é a fé de cada um”. Por usar a música como ferramenta para a cura, em algum momento alguém o chamou de “Rei da Lira”. Nascia o Fenômeno.

“Que alegria é essa?
Por que tanta gente cantando?
Seu 7 encruzas da lira
Que já está trabalhando
Com sua capa, seu ponteiro e seu patacoré
Ele protege, dá saúde a quem tem fé
É 7, é 7, é 7
É 7 encruzilhadas
Quem teu Seu 7 tem tudo
Quem não o tem não tem nada”

Seu Marafo predileto era o da marca “Creoula”, que ele também utilizava como ferramenta de cura. Suas giras se iniciavam as 20h e, comumente, iam até a manhã seguinte. Só se encerrava após Seu Sete da Lira atender um a um dos que iam visitá-lo. Nunca foi cobrado qualquer valor para que ele pudesse ajudar alguém. Logo o espaço da Tenda Espírita Cabocla Jurema não era mais suficiente para todos os atendimentos que precisavam ser feitos.

A costumeira Festa de Santo Antônio, realizada anualmente por Mãe Cacilda, passou a ser realizada em alguma região de mata em deferência aos orixás. Em uma dessas ocasiões foi cedido por um consulente um sítio na Zona Rural – atual Zona Oeste – do Estado da Guanabara, mais precisamente na localidade já conhecida como Santíssimo, nome dado em função da Capela de Nossa Senhora de Conceição ter recebido o Sacrário do Santíssimo Sacramento em 1750. Festa montada, marafo embaixo do braço e, em dado momento, o dono pediu ajuda para vender o espaço, e Seu Sete foi categórico: “EU COMPRO”. Mas como, se não há dinheiro?

“Essa casa é de Sete da Lira
Essa casa é de Audara Maria
Essa casa é de Tranca Ruas
Essa casa é de Exu da Lua
Mas essa casa também é de Marabô
Seu Tiriri aqui também é morador
Quem combate demanda
Vamos todos cantar
Saravá, Seu Toquinho, Saravá, Seu Veludo
Exu amojubá, Laroyê Exu”

Passados alguns dias, já na casa de Cavalcanti, Dona Audara Maria veio a Terra e chamou um dos filhos de Mãe Cacilda. O rapaz recebeu um pequeno papel com alguns números com uma ordem: jogue na loteria. Alguns dias depois, a resposta: o rapaz ganhou uma bolada. Parte do dinheiro foi destinado a Mãe Cacilda, viabilizando a compra do Sítio em Santíssimo. A fala de Seu Sete após a compra foi simples e objetiva: “Quem quiser me acompanha!”

Rapidamente o Sítio começou a ser preparado para a transferência da Tenda para o bairro onde funcionaria até o fim de seus dias de caridade. A distância não intimidou os fiéis que a cada gira marcavam presença e traziam novos consulentes. Foi com este crescimento que Seu Sete aumentou cada vez mais sua fama, alcançando patamares jamais imaginados quando se fala de religiões afro-brasileiras. Relatos dão conta de giras realizadas com a presença de mais de até 20.000 pessoas, na Zona Rural do Rio de Janeiro, em uma rua de difícil acesso. No decorrer de seus trabalhos, um dos momentos mais importantes era a Corrente do Amor, impreterivelmente a meia noite, onde usava a energia dos próprios presentes para também prover a cura.

Em pouco tempo foi necessário, com muito esforço, construir uma nova “Lira” com 2000 metros quadrados de cimento armado e que passou a ser denominado por freqüentadores e pelos jornais como “Maracanã da Fé”, sendo considerado por muitos como um grande monumento a Umbanda.

A procura por Seu Sete da Lira aumentava todos os dias e a mídia começou a se interessar pela história do Exu. Nesta época surgiu a “identificação” dos freqüentadores do Ilê de Cabocla Jurema: O adesivo de fundo preto, com uma linha circular vermelha e o número sete estampado no centro. Mãe Cacilda também passou a comandar um programa diário na Rádio Metropolitana de Inhauma, onde se valia do espaço para esclarecimentos a respeito do culto realizado em Santíssimo. Gente de todos os tipos vinham em busca da cura de Seu Sete da Lira, seja para males do corpo, da alma ou do coração. Artistas? Foram muitos: Gretchen, Chacrinha, Jackson do Pandeiro, Pelé, Beth Carvalho, Freddie Mercury, Assis Chateaubriand e diversos outros já tiveram seus pés fincados em Santíssimo para ouvir a palavra do Rei da Lira.

Mãe Cacilda de Assis, Seu Sete da Lira e o Ilê Cabocla Jurema já eram amplamente citados nos mais famosos jornais e revistas da época. Porém o jogo começa a crescer de verdade quando a Revista “O Cruzeiro”, uma das mais famosas que circulavam na Década de 70, resolveu fazer uma matéria especial no Terreiro. O já considerado “maior terreiro do Brasil” tornou-se reportagem central da revista. Não suficiente, alguns meses depois, a mesma revista realiza nova matéria especial, falando especialmente das curas realizadas pelo Exu a seus fieis. Até Bloco Seu Sete tinha. Arrastando o povo pelas ruas do centro da cidade, Seu Sete cantava marchinhas e sambas para os seguidores do Bloco da Lira em pleno carnaval. Segundo notícias da época, em certo ano ultrapassou até mesmo a quantidade de pessoas presentes do Cordão do Bola Preta. É importante dizer que tudo isso ocorre em pleno Regime Militar, sob a sombra do AI-5. Mas o que fazer se grande parte dos freqüentadores da Lira de Seu Sete eram militares de alta patente e políticos influentes da época?

Chega o momento da virada, talvez pra pior, de toda a trajetória de caridade de Seu Sete da Lira. Chacrinha e Flávio Cavalcanti, TV Globo e TV Tupi, recebem Seu Sete da Lira ao vivo em seus programas. Primeiro, no Chacrinha, um enorme “redevú” acontece: chacretes manifestando entidades, auditório também. Abelardo Barbosa cai aos pés de Seu Sete da Lira reconhecendo sua grandeza e pedindo cura para seus males. Isso tudo em plena TV Globo. Do lado de fora, a equipe de Flávio Cavalcanti já esperava. Seu Sete seguiu para o estúdios da TV Tupi e mais uma dose do enorme poder carregado pelo Rei: inúmeros dos presentes arrebatados pela energia enorme emanada por aquele Exu que estava ali, sereno, no palco, transmitindo mensagens de paz e caridade para todos que o assistiam. Reza a lenda que, durante uma das apresentações, a Srª Scylla Médici, esposa do então presidente Médici, teria incorporada sua pomba-gira e dado consultas a todos os empregados do Palácio do Planalto, regada a Cachaça e fumando os charutos do próprio presidente.

Os revezes começam a partir daí. A Igreja Católica condena fortemente a aparição de um Exu na TV, com direito a Notas de Repudio da CNBB e de diversos bispos, que diziam ser uma “afronta a família brasileira”. Segundo a CNBB, Mãe Cacilda e Seu Sete haviam “manchado a imagem do Brasil no Exterior”. O Cardeal Dom Eugênio Sales, que possuía um programa, dedicou longo tempo chamando a Umbanda de “subreligião” por conta do episódio. O ápice da Polêmica foi quando o então presidente da União Brasileira de Estudos e Preservação dos Cultos Africanos, Manoel Queiroga, foi convidado para participar do Programa Silvio Santos na TV Globo, onde se posicionou contra Mãe Cacilda alegando que “as religiões afro-brasileiras estariam sendo conspiradas por mistificadores que encontram na fé e na desgraça dos outros uma forma de enriquecerem rapidamente”.

Estes fatos fizeram com que o Governo Militar baixasse uma censura direta aos programas de auditório, proibindo entradas ao vivo a partir de então. Mãe Cacilda também respondeu diversas sindicâncias em diversos órgãos governamentais, em especial o Fisco, sob acusação de enriquecimento licito. Uma verdadeira perseguição. Jornais e revistas foram proibidos de dar notícias sobre Mãe Cacilda de Assis e Seu Sete da Lira – exceto que fossem negativas – ou, até mesmo, de realizar entrevistas. Somente a Revista “O Cruzeiro” desafiou a Censura e apresentou os fatos mostrados por Mãe Cacilda.

“Seu Sete vai
Seu sete vai
Seu Sete vai, pra sua banda ele vai
Adeus terreiro de umbanda, não pode mais demorar
A sua banda lhe chama, ele vai, mas torna a voltar”

Mãe Cacilda, sob orientação de Seu Sete, decidiu viver longe dos holofotes, mas nunca longe da caridade. O terreiro seguiu em funcionamento da mesma forma. O que a mídia não sabia é que tudo isso já era previsto. Dois anos antes de todo o ocorrido Seu Sete já havia avisado. E foi mais claro: “Só ficarão aqueles que realmente tem fé”. O furor da mídia e dos fiéis da Lira custou a Mãe Cacilda o preço de sua privacidade e vida pública. Após a resposta convincente e a isenção de culpa no fisco, a imprensa marrom ficou sem munição. E repórteres honestos voltaram a aparecer. E os reconhecimentos também. Em 1980, Mãe Cacilda recebeu o título de Condessa pela Ordem dos Cavaleiros da Cruz de Cristo. Foi classificada, na entrega da comenda, como “figura super-humanistica e estimada, principalmente no campo espiritual, onde procura caridade sem conta em benefício de todos aqueles que procuram e nela encontram um bálsamo para seus sofrimentos”. Silvio Santos, de acordo com notícias, ligou para Mãe Cacilda e se desculpou pelo fatídico programa, convidando-a para participar. Ela negou. Os holofotes não eram mais o seu lugar.

Até os anos 90 Cacilda de Assis seguiu trabalhando com Seu Sete da Lira, curando seus fiéis e todos aqueles afligidos pela vida ou pela dor. Mas, para todos, a idade vem chegando, e Seu Sete da Lira via, aos poucos, que o fim de seu aparelho estava próximo. Nas giras ele cantava: “vou encostar o meu violão / meu tempo passou / adeus noitada, adeus madrugada / o boêmio cansou…”

A última sessão aberta da Lira ocorreu em Fevereiro de 2002. Paramentado, Seu Sete da Lira fazia o anúncuio que nenhum de seus filhos queria ouvir: o fim das atividades daquela entidade na Terra. Referindo-se a Mãe Cacilda, o Rei da Lira afirmou categoricamente: “Depois dela, eu não vou mais me manifestar em ninguém. Quando ela partir, eu irei também. Com ela se encerra a minha missão. Quanto ao terreiro, vendam e vão todos embora. O terreiro não irá mais continuar. A missão foi cumprida.”

Em 20 de abril de 2009 acordou serena e calma, mas sua filha notou que havia algo errado. Repreendeu a mãe cada vez que ela agradecia por todo o cuidado e companhia despendidos a ela. Luzia seguiu cada passo de sua mãe naquele dia. Aos 90 anos, quase a meia noite, Mãe Cacilda de Assis iniciou sua caminhada ao orum. O pino da hora grande não tinha mais na terra sua mais fiel missionária. Com ela iam-se Vó Cambinda, Cabocla Jurema, Cosminho, Filimpo, Audara Maria e, principalmente, Seu Sete Encruzilhadas – o eterno Rei da Lira.

“Recordar é viver
Eu hoje sonhei com você
Eu sonhei, meu grande amor
Que você foi embora
E nunca mais voltou”!

Em 2016 a cidade de Porto Alegre declarou o dia 12 de Agosto como o “Dia de Exu Rei Seu Sete da Lira”. “Conhecido por ser o senhor dos caminhos, o Exu Rei Seu Sete da Lira realiza trabalhos de abertura de caminhos para o emprego, o comércio, a limpeza da aura e o equilibrio entre espírito e matéria, orientando as pessoas sobre suas vidas e suas condutas. O reino da Lira é de muitas magias, de saúde, de prosperidade, de fartura, de fortuna e de música”.

Em 2015 o Conselho Nacional Deliberativo de Umbanda (CONDU) decidiu reparar um dos maiores erros da história da religião afro-brasileira. Em um workshop denominado “Overdose de Exu: a voz dos guardiões” afirmou já no convite: “… entre outras atrações, estaremos exibindo um vídeo contando um pouco da história deste marco da nossa religião e corrigindo uma INJUSTIÇA HISTÓRICA, quando na presença de centenas de umbandistas afirmaremos que SEU SETE DA LIRA é e sempre foi umbanda sim…”. A União Espiritista de Umbanda do Brasil, uma das entidades que posteriormente fundou a CONDU, foi uma das que vociferou, à época, contra Mãe Cacilda e Seu Sete da Lira, afirmando que não se tratava de Umbanda e, consequentemente, que não deveriam ser vinculados à práticas umbandistas. Seu secretário à época, Pai Pedro Miranda, se pronunciou emocionadamente na exibição do vídeo, em um visível arrependimento.

Mãe Cacilda usou cada centelha de sua vida em prol da caridade e, através de Seu Sete da Lira, promoveu curas comparáveis aos mais incríveis milagres. Mas acredite: não acabou. Seu Sete da Lira segue trabalhando… E muito. Trabalha pelas curas e milagres dessa Terra. “Aquilo que você quer ouvir, aquilo que você deseja vencer”, mentalize em Seu Sete e você vai ter. Basta fazer seu pedido e sua oração. Afinal, o Exu do Povo não iria abandoná-lo. Jamais.

Salve, Seu Sete. Saravá.

Enredo e Sinopse: Jhonatan Romão e Jéssica Ramos

Referências:

SIQUEIRA, Cristian. O fenômeno Seu Sete da Lira: Cacilda de Assis, a Médium que parou o Brasil. 1ª Ed. Legião Publicações, 2020.

CACILDA de Assis. WIKIPEDIA. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Cacilda_de_Assis . Acesso em 28/03/2024

A mãe de santo que colocou os programas de auditório na mira da ditadura. VICE. Disponível em https://www.vice.com/pt/article/gym5nj/cacilda-assis-sete-lira-exu. Acesso em 28/03/2024

MÃE Cacilda de Assis – A mais famosa umbandista do Brasil. IPCB. Disponível em http://ipcb-rj.com.br/?p=1681. Acesso em 28/03/2024